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Relação Entre Operadoras de Planos De Saúde e
Prestadores de Serviços – Um Novo Relacionamento
Estratégico
* Alceu Alves da Silva
Porto Alegre, Julho de 2003
* Graduado em Ciências Contábeis pela PUC – Porto Alegre, RS
Especialista em Administração Hospitalar pela PUC – Porto Alegre, RS
Professor do Centro de Ciências Econômicas da Unisinos – São Leopoldo, RS
Professor do Instituto de Administração Hospitalar e Ciências da Saúde - Porto
Alegre, RS
Diretor Administrativo do Hospital Mãe de Deus
Ex-Chefe de Gabinete do Ministro de Estado da Saúde
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Certa vez Albert Einstein entregou a secretária uma prova a
ser distribuída entre seus alunos da pós-graduação. A
secretária passou os olhos pelo papel e questionou: “Mas
professor Einstein, essas são as mesmas perguntas do ano
passado. Será que os alunos já não sabem as respostas?
Tudo bem respondeu o mestre, as perguntas são as
mesmas, mas as respostas são diferentes” (Hammer 2002).
INTRODUÇÃO
Ao estudarmos a relação entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores
de Serviços, na verdade, estamos analisando o fulcro do maior objetivo desejado pelo
cliente ao subscrever um plano de saúde: a segurança de ter acesso aos serviços de
saúde. Portanto, o plano de saúde é meio e o serviço de saúde é fim.
As características do sistema de saúde brasileiro, estabelecidas pelas mudanças
no cenário macroeconômico e social da saúde, certamente se constituem em um pano
de fundo, onde Operadoras e Prestadores de Serviços de Saúde deverão travar, lado a
lado e em conjunto, uma grande batalha. É muito provável que se esteja no limiar de
enfrentamento dos grandes desafios: encontrar formas de relacionamento que
garantam o foco na saúde e não na doença, a qualidade da assistência ditada pela
prática da boa medicina, os custos compatíveis, a satisfação dos usuários e a
lucratividade necessária ao desenvolvimento e crescimento do setor.
O cenário e suas variáveis já estão apresentados. Tudo indica que o momento
chegou. O posicionamento, que urge ser definido para que se modifique o
relacionamento atual entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços,
é se “vamos construir pontes ou muros“.
Este novo relacionamento, no entanto, não nascerá pronto. Será necessário
construí-lo na cumplicidade dos objetivos, na capacidade de perceber as
oportunidades em um mercado com indicativos consistentes de transformações
radicais. Progressivamente, algumas parcerias e negociações irão mostrar-se mais
frutíferas e abrirão caminhos para outras, reproduzindo e aprimorando os métodos e
os avanços indispensáveis.
Este estudo técnico, além de contribuir para as discussões temáticas do Fórum
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de Saúde Suplementar, promovido pelo Ministério da Saúde e pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar-ANS, tem a finalidade de contextualizar as lógicas
que alimentam e sustentam a relação entre Operadoras de Planos de Saúde e
Prestadores de Serviços e, a partir da compreensão, apontar e analisar caminhos que
possam ser valorizados na construção de um novo e estratégico relacionamento.
Numa perspectiva ampliada, espera-se que esse estudo possa estar
contribuindo para que os usuários tenham fortalecidas as suas garantias de acesso e
de qualidade dos serviços de saúde, como conseqüência de uma maior consistência
nas relações entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços.
UM BREVE RELATO DAS RELAÇÕES ENTRE OS AGENTES
DO SISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR
As Operadoras De Planos De Saúde, é preciso considerar e registrar, a
partir de uma visão empreendedora e extremamente arrojada, ao longo do seu
processo de evolução prestaram e prestam um grande serviço a população brasileira,
permitindo o seu acesso aos serviços de saúde. Em especial porque ocuparam uma
fatia enorme do espaço deixado pela ineficiência, pela ausência efetiva de
determinação política e pela incapacidade de financiamento do setor público.
Nos anos 80, havia cerca de 15 milhões de clientes dos planos de saúde,
excetuando-se os de planos próprios, registrados pela Associação Brasileira de
Medicina de Grupo – Abramge e pela Federação das Unimed’s. Esses números
revelavam a consolidação das empresas de planos de saúde como alternativas
assistenciais para os trabalhadores especializados da região sudeste.
Ao mesmo tempo, houve a intensificação da comercialização de planos
individuais, a entrada decisiva de grandes seguradoras no ramo da saúde, a adesão
de novos grupos de trabalhadores à assistência médica supletiva – em particular,
funcionários públicos da administração direta, das autarquias e das fundações – e a
vinculação inequívoca da assistência privada ao financiamento da assistência médica
suplementar.
Entretanto, as Operadoras de Planos de Saúde criaram um mercado peculiar,
de regras multifacetadas, definindo prazos de carência, restrições ao atendimento,
contratos altamente vantajosos, níveis de preços, unilateralidade na suspensão de
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contratos, e outras formas de contenção da utilização dos serviços.
Muitas, atendendo apenas a uma oportunidade de mercado, sem estrutura,
sem lastro econômico para sustentar suas operações, lançaram-se em uma aventura
de buscar lucros de forma fácil, sempre coadjuvadas por uma rede de prestadores de
serviços ávidos por clientes de um sistema de financiamento diferenciado daquele
praticado pelo setor público.
A atuação das Operadoras de Planos de Saúde sempre esteve exageradamente
vinculada a supremacia dos interesses econômicos e arriscadamente afastada das
políticas de saúde e da mensuração da qualidade da assistência prestada.
Os Clientes, nesse contexto, representavam o elo mais vulnerável, com
reduzido controle sobre os seus maiores interesses: o acesso aos serviços de saúde e
à qualidade da assistência prestada. Não possuindo instrumentos para coibir eventuais
abusos cometidos pelas Operadoras de Planos de Saúde, que, sem regulamentação,
detinham a liberdade para tomar as decisões que entendessem necessárias. Na cadeia
dessa relação, as imperfeições do sistema relegaram os aspectos de acesso aos
serviços e à qualidade assistencial a um plano secundário.
O Poder Público, de sua parte, contemplou da margem oposta a evolução da
saúde suplementar no Brasil. Para J.C. STRICK (1990:3), a “regulação consiste na
imposição de regras e controles pelo Estado com o propósito de dirigir, restringir ou
alterar o comportamento econômico das pessoas e das empresas, que são apoiadas
por sanções em caso de desrespeito”. O Estado Brasileiro nas atividades iniciais da
saúde suplementar esteve afastado do seu papel regulador. Esteve exclusivamente
envolvido na evolução da reforma do Sistema Público de Saúde, onde muitas vezes
tergiversou, e foi intransigente, quanto às questões ideológicas. Insistiu na construção
de um sistema de saúde exageradamente perfeito nos seus princípios e
permissivamente tímido e passivo quanto as suas capacidades de financiamento,
acesso à população e de gestão de recursos, perdendo o foco nas estratégias de
efetiva implantação do Sistema Único de Saúde – SUS.
De qualquer sorte, na década de 80, foi intensa a movimentação em torno da
reforma do sistema público de saúde, caracterizando-se como uma grande prioridade
político-social, com enorme envolvimento da sociedade brasileira e de seus diferentes
órgãos representativos.
Ainda que secundário, entre tantas razões para que se compreenda a não
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priorização do setor de saúde privada, é provável que o poder público tenha
considerado que a fatia da sociedade brasileira com cobertura assistencial através de
planos de saúde privados fosse composta de pessoas abastadas, e que poderiam
dispensar a proteção do Estado. Entretanto, há que se considerar a interpretação de
que quanto maior fossem os recursos desse setor, financiados fundamentalmente
pelas empresas e também diretamente pela própria sociedade, mais recursos
sobrariam para a população carente e desassistida pelo setor público. Ou então, que a
supremacia das questões econômicas na área da saúde tenha, mais uma vez,
prevalecido e reservado a interpretação de quanto maior o crescimento do setor de
saúde suplementar menor a necessidade de recursos públicos para o segmento de
saúde do Brasil.
Outro grande prejuízo, pelo alijamento do setor de saúde suplementar das
políticas públicas do setor, é que os processos, as informações, a análise econômica e,
em especial, os resultados da qualidade da assistência prestada, foram de completo
desconhecimento do Ministério da Saúde. Dessa forma, uma grande parcela da base
de dados e das informações do setor de saúde no Brasil, ainda hoje, contemplam
apenas os números e as correspondentes análises dos serviços realizados pelo setor
público, desconsiderando a situação e os resultados das ações de saúde que são
prestadas a aproximadamente um quarto da população brasileira.
Os Prestadores De Serviços, inclusive os Médicos, por sua vez, atendidos
nos seus interesses mais imediatos, notadamente pela progressiva escassez dos
pacientes privados e pela crescente deterioração do relacionamento com a área
pública (defasagem acentuada e crescente de preços, glosas, atrasos nos
pagamentos, tetos físicos e financeiros incompatíveis com o volume dos serviços
prestados, entre outros), não relutaram em compor uma associação forte e firme com
as operadoras de planos de saúde. Já em 1995 os médicos registravam uma enorme
dependência das Operadoras de Planos de Saúde. Foi o que revelou a pesquisa
desenvolvida pela Escola Nacional de Saúde Pública (Machado,1995) apontando que
75 % a 90 % dos médicos declararam depender diretamente dos convênios para
manter suas atividades em consultório.
É importante observar que nos contratos entre Operadoras de Planos de Saúde
e Prestadores de Serviços os aspectos de qualidade assistencial não são o foco
principal da relação. Não correspondem as preocupações primeiras para a
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manutenção das relações comerciais. O maior determinante sempre foi a capacidade
de vendas que o credenciamento de um prestador de serviços possa gerar para a
operadora de planos de saúde e, especialmente, a sua tabela de preços.
Tudo transcorrendo dentro de uma equação bastante satisfatória. O setor
público continuamente expondo suas iniqüidades que, açodadas pelas constantes
críticas e inequívocos exemplos de ineficiência, serviram como um grande atrativo
para os planos de saúde privados ampliarem a sua atuação no mercado. Atuação essa
feita sem regulamentação. Encontrando os prestadores de serviços extremamente
interessados em pacientes de planos de saúde privados como alternativa para as suas
dificuldades junto ao sistema público de saúde. Some-se a esse cenário, o forte
auxílio de uma espiral inflacionária que encobria as ineficiências, e permitia, na
ciranda financeira, ganhos acima das margens de lucratividade e rentabilidade do
negócio.
Foi com essa configuração de mercado e com uma rede de relacionamentos
onde estavam preservados os interesses dos diversos agentes, que o setor da saúde
suplementar cresceu no Brasil.
Segundo Duarte e Di Giovanni (2001), “o sistema de atenção médica
suplementar cresceu a passos largos durante a década de 80, de tal modo que, em
1989, cobria 22% da população total do país. Somente no período 1987/89
incorporaram-se a esse subsistema 7.200.000 beneficiários”.
Atualmente, o número de usuários registrados na ANS é de 33,3 milhões.
REGULAMENTAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR – ESSENCIAL
PARA O CRESCIMENTO DO SETOR
Em período anterior à Lei 9656/98, os consumidores passaram a ser mais
protegidos com a adoção do Código de Defesa do Consumidor e do sistema
consubstanciado nos Procon estaduais e municipais. O acolhimento de demandas
pelos Procon beneficiou os consumidores em seus conflitos com as Operadoras de
Planos de Saúde. Mesmo assim, a atuação desses organismos estatais mostrou-se
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insuficiente para regular as relações entre consumidores e Operadoras.
As políticas regulatórias são políticas de soma positiva, o que cria a expectativa
de que todos os setores afetados sejam ganhadores pelo bem público gerado, mesmo
que as soluções não sejam unânimes, ou, de acordo com MAJONE (1996), seja a
segunda melhor alternativa, na impossibilidade da ampla maioria política.
Havia consenso em torno da necessidade de intervenção estatal, visando
corrigir e atenuar as falhas do mercado. Após a promulgação da Lei 9656, em 1998,
na gestão do Ministro Carlos César Albuquerque - a maioria dos trabalhos realizados a
respeito do tema não o tem citado – o setor de saúde suplementar ganhou a
sustentação legal para que iniciassem as ações de regulamentação.
As reformas do setor de saúde suplementar devem ser encaradas não apenas
como uma iniciativa do Governo - com no mínimo 30 anos de atraso - mas como uma
prioridade nacional premente. Não se trata apenas de o governo, seja o atual, o
passado ou o futuro, desejar fazê-la. É indispensável que o setor se conscientize da
sua necessidade. É indispensável que a sociedade brasileira a faça.
Por resignada conformidade à nossa realidade histórica ou pela acomodação
interesseira e conveniente, parece haver, muitas vezes, a aceitação tácita para a
continuidade do modelo vigente. Isso descaracteriza por completo a mudança que se
impõe como necessária para a continuidade sadia do setor saúde. Assim fosse, os
grandes questionamentos, consolidados nas garantias da qualidade dos serviços aos
usuários e na flexibilização e crescimento do setor, não estariam concluídos, nem
tampouco gerando esforços para que fossem garantidos.
Em uma consideração preliminar, qual deveria ser o papel do Estado, nas três
hipóteses de maior possibilidade? Como tutor pleno (como tem sido com o setor
público), onde legisla, planeja, executa, compra, financia e fiscaliza os serviços de
saúde? Como um observador pleno permitindo o exercício do livre mercado? Como
regulador e fiscalizador (como vem fazendo através da Agência Nacional de Saúde
Suplementar – ANS), atuando como co-partícipe do sistema?
Sobre a primeira hipótese, existem avaliações consistentes demonstrando os
resultados desastrosos da interferência exagerada do Estado. Pode-se salientar, entre
outros: grande interferência político-partidária, baixo índice de profissionalismo,
reduzida capacidade de gestão, intransponíveis amarras jurídicas que reduzem
enormemente a capacidade do Estado de fazer a gestão.
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A segunda hipótese, recentemente deu mostras das dificuldades que compõem
a exploração livre de um mercado onde o produto é a saúde do ser humano. Pela
essencialidade do produto e pelo seu interesse social, a presença moderadora do
Estado é fundamental.
Não bastasse a análise das razões intrínsecas da terceira hipótese, a realidade
das duas primeiras já seria bastante para que nos dirigíssemos na sua direção.
Arbitrar, regulamentar e orientar os rumos do setor de saúde suplementar,
abstraindo-se a forma como a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar vem
conduzindo esse processo, suas estratégias e ações, seus erros e acertos, significa um
passo diferenciado para que a sociedade brasileira obtenha resultados de saúde mais
potentes na relação com os agentes do mercado.
A característica central da reforma regulatória é a delegação de expressivo
poder decisório a instituições independentes, as quais definem regras de condutas
para as empresas e cidadãos. As atividades regulatórias incluem leis, portarias,
regulamentos formais e informais. Essas novas instituições monitoram e autorizam o
funcionamento das atividades consideradas de relevância pública e têm o arbítrio para
estruturar preços e intervir na qualidade dos serviços (NUNES, 1999).
É, sem dúvida, o início de um novo caminho, que inclui o setor de saúde
suplementar dentro da agenda das grandes prioridades nacionais. É um novo capítulo
que começa a ser escrito na história da atenção à saúde dos brasileiros.
Entretanto, apesar da dita e afirmada unanimidade nacional quanto à
necessidade e aceitação da regulamentação do setor de saúde suplementar, na
prática, há uma forte resistência de parte das Operadoras de Planos de Saúde e
secundariamente dos prestadores de serviços, de se submeterem as novas regras.
Provas desse movimento estão nas contínuas ações jurídicas que são impetradas
contra a ANS, na negativa de registros e encaminhamentos de informações, no não
ressarcimento ao SUS.
Decorridos cinco anos da promulgação da Lei 9656/98, a existência de dois
terços de usuários de planos antigos, mostrado na Tabela 01, é uma comprovação
importante dessa resistência. Note-se que os usuários de planos antigos estão sem as
garantias integrais da legislação, principalmente no que diz respeito à assistência à
saúde.
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Faixa etária Plano anterior à Lei 9.656 Plano Posterior à Lei Total
Número de
Beneficiários
% Número de
Beneficiários
% Número de
Beneficiários
%
00-17 anos 5.935.244 25,77 2.909.249 28,17 8.844.493 26.51
18-29 anos 4.776.378 20,74 2.519.377 24,40 7.295.755 21,87
30-39 anos 4.101.894 17,81 1.884.465 18,25 5.986.359 17,95
40-49 anos 3.409.404 14,80 1.447.614 14,02 4.857.018 14,56
50-59 anos 2.188.168 9,50 794.890 7,70 2.983.058 8,94
60-69 anos 1.372.349 5,96 408.635 3,96 1.780.984 5,34
70 e mais 1.247.584 5,42 362.812 3,51 1.610.396 4,83
Total 23.031.021 100 10.327.042 100 33.358.063 100
Fonte: ANS
Outras formas concretas de demonstração de tamanha contrariedade estão
representadas pelas 700 multas praticadas pela ANS no primeiro semestre do ano de
2002, das 655 autuações aplicadas até o mês de junho de 2003, cancelamento do
registro de 845 planos e intervenção em 71 Operadoras. Evidentemente que as
irregularidades referem-se ao uso de expedientes que eram aplicados antes do
processo de regulamentação. No período de agosto de 2000 a julho de 2002, a ANS
somou 82.856 ABIs (Avisos de Beneficiários Identificados que utilizaram o Sus), no
valor de R$ 110,9 milhões e recebeu apenas R$ 28,9 milhões. A dívida das
Operadoras chega a R$ 81,9 milhões de ressarcimento ao Sus. Há uma forte ação de
contenção da velocidade do processo de regulamentação.
É bastante provável que ainda exista no âmbito de uma parcela das Operadoras
de Planos de Saúde a falsa visão da continuidade de um mercado de largas margens e
sem regulamentação.
Ocorre que este mercado, sem regulamentação, se, de um lado oferece tantos
atrativos propícios para o sucesso econômico, de outro se caracteriza pelo conflito
direto com os principais clientes, tanto no plano individual como no plano empresarial,
uma vez que as relações estabelecidas são inseguras. A possibilidade de revisões
contratuais por sinistralidade, reajuste de preços, revisão dos expostos, redução
unilateral da carteira de riscos e outros fatores expunha de forma arriscada e perigosa
10
as fragilidades da relação e certamente colocava em risco o crescimento e a expansão
do setor.
Não se pode esquecer que trata-se do mercado da saúde, sensível , de leituras
pontuais, de interpretações gerais baseadas em casos específicos e de grandes
repercussões. De um mercado que oferece um produto complexo, de difícil
configuração, de resultado inespecífico, de sucessos que dependem, em grande parte
de quem compra os serviços, de responsabilidades dispersas e difusas, da
insegurança sobre a qualidade dos agentes envolvidos no atendimento, de direitos
imprecisos e que, muitas vezes, somente são negados no momento da sua utilização.
As razões que permitiram o crescimento do setor não foram a qualidade dos
seus processos, nem a qualidade das relações estabelecidas entre os agentes do
sistema. O crescimento sempre esteve associado à incapacidade e a insegurança de
um sistema público ineficiente, com graves problemas de acesso aos serviços e, em
especial sem medição da qualidade. Sempre apoiado por uma mídia sensacionalista,
que, a partir de fatos específicos, verídicos, carregados de fatores dramáticos e de
forte apelo emocional e humano, contribuiu para que o sistema de saúde público fosse
racionalizado e resumido às emergências dos hospitais, explorando as dificuldades
que naturalmente se estabelecem nesta unidade de prestação de serviços, de intensas
e estressadas relações.
As mazelas do sistema público se constituem em uma grande e gratuita
mídia para sistema de saúde suplementar.
Depurar e oxigenar o mercado é absolutamente fundamental para a expansão
do setor de saúde suplementar, excluindo da operação os pontos conflitantes na
relação com os clientes e retirando do mercado aquelas empresas sem solidez e
ávidas pelos lucros rápidos. Essas, imediatistas, desenvolvendo suas atividades em
total desacordo com o tipo e a qualidade de produtos que possam solidificar a imagem
da saúde suplementar.
Assim, organizar o mercado, estabelecer novos rumos, definir responsabilidades
e, dar transparência as relações entre os participantes é fundamental para o
crescimento do setor. É essencial que se fortaleça aquelas empresas que possuam
solidez para oferecer qualidade e, ao mesmo tempo, ter a lucratividade necessária. O
futuro comprovará o acerto da decisão do governo em lançar mão de sua mais
poderosa ferramenta de ação, a agência reguladora – para agir nesse mercado, tanto
11
na dimensão econômico-financeira como na qualidade da saúde.
Então, em torno das diretrizes estratégicas definidas pela Agência Nacional de
Saúde Suplementar - ANS, as Operadoras de Planos de Saúde, Prestadores de
Serviços, usuários e demais agentes dessa cadeia, deverão estar gravitando e
desenvolvendo esforços para, com a participação de todos realizar as reformas
necessárias.
Acrescente-se, na agenda, a articulação com os órgãos de defesa do
consumidor e observe-se que foram incorporadas novas atribuições à ANS - como a
de monitorar a evolução de preços de planos de assistência à saúde e seus
Prestadores de Serviços.
O desenvolvimento das diretrizes com foco na defesa do usuário, certamente é
outro ponto fundamental dessa equação. Não podemos, além de reconhecer a
vulnerabilidade do usuário frente a todas as variáveis do sistema, ignorar que a
população brasileira, para ter acesso a saúde suplementar, faz um pagamento
suplementar por um direito que não deveria ser suplementar. Isso porque a
constituição brasileira lhe assegura o acesso universalizado, igualitário, integral e
gratuito ao sistema público de saúde, princípios que, intrinsecamente, pressupõem
qualidade da assistência.
É evidente que esta etapa inicial também está repleta de desafios e de
imperfeições e, apenas a criação de uma agência não tem o poder de resolver de
imediatamente todos os problemas. Entretanto, se constitui, sem dúvidas, em um
poderoso instrumento na busca e implementação das soluções necessárias.
A ANS, mesmo tendo de administrar muitos conflitos de interesses, equacionou
vários problemas do segmento. A observância dos contratos de prestação de serviços
de saúde com as Operadoras, a clareza nas cláusulas contratuais, a obediência às
coberturas dos contratos quanto ao atendimento de urgência e emergência,
autorizações e prorrogações, sempre mantendo vigilância sobre a movimentação do
mercado.
Com a criação da Agência, os conflitos entre os agentes, podem não ter sido
dirimidos totalmente, mas diminuíram. A existência de conflitos não significa a sua
ausência no período anterior a regulamentação. A legislação, apesar de ainda obscura
em certos itens, deixa claro os direitos e os deveres de cada uma das partes
integrantes do processo. É mais específica que o Código de Defesa do Consumidor,
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que até então era o meio utilizado para dirimir os conflitos.
De outro lado, já é tempo suficiente para que a ANS inicie as ações e concentre
esforços no aumento da competitividade desse mercado, tanto em preço quanto em
qualidade, e simultaneamente, legitime a ação do governo, reavaliando as atuais
regras de subsidiariedade e flexibilizando o crescimento do setor.
A cultura de uma organização é resultado de sua história e da interação entre
seus membros (Gallo et al., 1996).
Como a intervenção de uma agência reguladora pode produzir novos valores e
novas práticas para as Operadoras de Planos de Saúde, Prestadores de Serviços e
consumidores? Culturas e ações humanas, onde os indivíduos, segundo ARCHER
(1998), reproduzem contextos passados através de gerações porque estariam
engajados em atividades que não mudam. Mas para a implementação das políticas
regulatórias no setor de saúde suplementar, essa estabilidade contextual não pode
existir, devendo acompanhar os avanços técnico-científicos, do direito e da ética. O
setor de saúde suplementar, desregulado durante décadas, passou a ter como
principal marco a corresponsabilidade, incentivando a construção dessa nova cultura.
O Governo, através da ANS, precisa dar acenos indicativos das suas boas
intenções com o setor. O Gráfico 01 mostra a cruz tributária imposta pelo progressivo
aumento da carga tributária e pela queda do crescimento do nosso país. Sem dúvida,
mudanças positivas nesse cenário constituiriam um forte estímulo para que os
agentes do setor de saúde suplementar ampliem seus investimentos. Isso, também
contribuiria para a melhoria do ambiente que envolve a regulamentação.
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É fundamental repensar o setor com uma estratégica global e com a visão
social que merece. Utilizar-se de uma política restritiva no trato das questões de
saúde no setor público e, adicionalmente, não criar um cenário atrativo para o setor
de saúde suplementar, é colocar em risco a saúde da população brasileira.
Os estudos e a criação das oportunidades dos novos entrantes no sistema
também merecem uma atenção especial da Agência Nacional de Saúde Suplementar –
ANS. A agência precisa lançar mão e cumprir com o outro papel característico das
Agências Reguladoras que é o de expandir o mercado, tornar o segmento sadio,
competitivo e em posição contínua de crescimento.
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A REGULAMENTAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR – GRANDE
IMPACTO NA RELAÇÃO DE OPERADORAS DE PLANOS DE
SAÚDE E PRESTADORES DE SERVIÇOS
A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS priorizou, claramente, a sua
ação de proteção aos usuários junto às Operadoras de Planos de Saúde, praticamente
abandonando as faces do relacionamento que se estabelecem junto aos prestadores
de serviços. Excetuam-se raras incursões que foram agregadas ao longo da trajetória
de regulamentação, mas em nenhum momento com a mesma velocidade e o mesmo
foco lançado às operadoras.
Também priorizou o atendimento dos interesses do segmento mais exposto às
imperfeições do mercado, com a finalidade de equilibrar as relações dos usuários
menos organizados com as operadoras. Isso, com o objetivo de criar uma ruptura no
desequilíbrio sistêmico que desfavoreceu o usuário, demonstrado pelos abusos
cometidos ao longo do processo de expansão desse mercado.
Com as luzes voltadas para a relação com as Operadoras de Planos de Saúde, a
regulamentação criou um elenco enorme de novas regras que trouxeram grande
impacto no setor. Com a finalidade de contextualizar a análise da relação entre
Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços, sem nenhuma intenção de
esgotá-las, algumas dessas novas regras são extremamente relevantes. O foco está
colocado naquelas que criaram uma clivagem na antiga sustentação econômicofinanceira das Operadoras:
• ampliação das coberturas assistenciais, não admitindo qualquer tipo
de exclusão ou de exceção, mesmo em planos exclusivamente
ambulatoriais. Naturalmente que essa regra levou ao atendimento de
uma demanda maior por procedimentos de complexidade, antes
realizados no setor público;
• expansão dos direitos dos usuários e proibição de rompimento
unilateral dos contratos nos planos individuais, proibição da
recontagem dos prazos de carência, da seleção de risco e da exclusão
indiscriminada de usuários. Mesmo os contratos antigos não podem
ser rescindidos unilateralmente;
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• rigoroso monitoramento de preços e das condições de reajuste, com
regras de proteção ao consumidor. Retiram-se, então, as
possibilidades de recuperação do equilíbrio econômico nas bases
antes realizadas, ou seja, utilizando o realinhamento da receita
através dos reajustes por desequilíbrio ou por sinistralidade, redução
da massa de expostos, exclusão dos contratos deficitários e de
maiores controles de acesso e cobertura assistencial;
• estabelecimento do pagamento de multas pelo não cumprimento
contratual e pela desobediência da legislação regulamentadora;
• integração do sistema de saúde suplementar ao SUS, estabelecendo
as normas de ressarcimento pela utilização dos recursos públicos;
• exigências de solidez empresarial, impedindo Operadoras de recorrer
à concordata e de seus credores pedirem falência. As Operadoras
somente podem ser liquidadas a pedido da ANS e, também estão
sujeitas a constituição de reservas e garantias de capacidade
econômico-financeira para cumprimento dos contratos.
Essas medidas implicaram diretamente na elevação dos custos. Acrescente-se o
aumento dos custos administrativos: atuariais, informática, auditoria independente,
acompanhamento jurídico e administrativo dos controles de ressarcimento ao Sus,
revisão dos contratos anteriores, multas e autuações, taxas por usuários,
ressarcimento ao SUS pela tabela da Tunep, reservas e provisões de acordo com
normas estabelecidas pela ANS e provisionamento de recursos para cobertura de
assistência médica hospitalar de benefícios exclusos nos planos mas amparados por
liminares, ainda que temporárias.
Esse mosaico legislativo-operacional, acrescido de tantas outras regras
estabelecidas pela regulamentação da saúde suplementar tratou de modificar
substancialmente as condições assistenciais, de acesso e garantias de direitos.
Entretanto produziu um aumento considerável na espiral de custos, gerando uma
expressiva inadequação econômica.
As Operadoras de Planos de Saúde, já convivendo com diversas ameaças e
riscos, como os patrocinados pela pirâmide populacional brasileira, que apontando um
acelerado envelhecimento da população, e aliado ao aumento da expectativa de vida,
em especial junto a população que possui acesso aos planos de saúde, consubstancia
16
uma preocupação com custos adicionais que terão impacto na solidez das operadoras.
O Gráfico 02 mostra essa tendência, apontando para as próximas duas décadas,
um crescimento espantoso da população com mais de sessenta e cinco anos. Assinala
um crescimento de praticamente três vezes a população atual. Observa-se esta
tendência também em outros países.
Crescimento da População Idosa
(milhões de habitantes > 65 anos em 11 países)
19
23,5
25,7
23,7
25
23
18,5
23,1
21,1
20,6
22,7
18,7
5,2
13,6
16,1
16
16,9
16,9
12,6
16,6
15,7
12,5
17,3
12,5
0 5 10 15 20 25 30
Brasil + 365,4
Holanda + 72,9
Alemanha + 59,6
França +48,1
Bélgica + 47,9
Itália + 46,9
EUA + 46,8
Espanha
Reino Unido + 34,4
Canadá + 32,9
Suécia + 31,2
Média + 49,6
1999 2025
Fonte: Instituto SODEXHO em O Globo, O País – 23/09/1999 p.10
Outras ameaças e fatores de risco como a introdução e utilização abusiva de
tecnologias de ponta e de alto custo, são potencializadas com os efeitos da
regulamentação, que, além de elevar os custos, acima de tudo, retira as antigas
País Variação %
(1999-2025)
17
alternativas que eram fácil e fartamente utilizadas na solução dos seus problemas
econômicos e de fluxo de caixa. Acrescente-se à contenção dos preços, a redução das
receitas e ainda os reflexos conseqüentes da economia (controle da espiral
inflacionária, estabilidade de preços, recessão e aumento do desemprego).
É preciso acrescentar, no mínimo, mais dois fatores, os quais não tem recebido
as luzes que merecem. O primeiro é o acirramento da concorrência entre as empresas
do setor. As novas regras nivelaram os planos de saúde. Isso vai exigir competência e
esforços mais intensivos para a manutenção e a conquista de novos clientes. Será
necessário criar diferenciais competitivos, novas estratégias de marketing e acima de
tudo um outro conceito de qualidade de atendimento. Isso implica em novos gastos,
equipes qualificadas, investimento em treinamento, recursos de informática e
sistemas de informações.
O segundo diz respeito a capacidade de gestão das Operadoras de Planos de
Saúde. Aceita-se tão pacificamente a incapacidade de gestão da área pública, sem ao
menos conferir-lhe o mínimo reconhecimento pelo muito que faz com os parcos
recursos advindos de uma política restritiva ao setor, mas com a mesma pacificidade
aceitamos que a área da saúde suplementar é competente para fazer sua gestão.
Onde estão as evidências? Em que condições foi obtida essa imagem de competência?
Com que grau de dificuldades foi obtido este conceito? Onde estão os seus bancos de
dados e os seus sistemas de informações epidemiológicas? A sua capacidade de
desenvolverem, em conjunto com os Prestadores de Serviços, ações de promoção e
prevenção à saúde? Onde estão os trabalhos com populações adstritas junto às áreas
de recursos humanos, mostrando os avanços na qualidade de saúde dos funcionários
das empresas, segmento que possui 70% dos usuários de planos de saúde? Onde está
a capacidade de articulação com os prestadores de serviços para desenvolverem, em
conjunto, com ganhos conjuntos, programas de gestão racional de recursos? Onde
estão os instrumentos de gestão para tratar distintamente os bons e os maus
Prestadores? Onde estão os mecanismos de controle da qualidade da assistência
prestada?
As Operadoras de Planos de Saúde e os Prestadores de Serviços, a par da
competência de gestão que progressivamente vem agregando aos seus negócios,
precisam provar, cada vez mais, que contam com suporte profissional para bancar a
garantia do produto que vendem, com a visão global do processo. Também o setor de
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saúde suplementar apresenta deficiências importantes cuja origem está na ineficiência
de gestão.
Pressionadas por esse cenário, as Operadoras tiveram suas margens reduzidas.
Agora, sem os polpudos rendimentos do mercado financeiro e sem a possibilidade de
transferir a conta para os usuários.
Não havia outro caminho no curto prazo e no modelo vigente, o foco da busca
das soluções foi concentrado nos prestadores de serviços. Então, as relações
modificam-se substancialmente.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS gerou uma grande e
profunda mudança na relação acomodada e tacitamente acordada entre Operadoras
de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços. Isso porque cravou sua atuação no
monitoramento das condições contratuais para o acesso aos serviços de saúde, na
política de preços e na solidez econômica das operadoras para sustentação dos
direitos dos usuários. Certamente, a regulamentação não foi o único fator para essa
grande mudança, mas o complemento que faltava e o pretexto esperado para que o
setor pudesse ser rediscutido sob um cenário mais iluminado e reorientado por
diretrizes e resultados mais sólidos nos aspectos econômico, assistencial e social.
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A RELAÇÃO CONTEMPORÂNEA DAS OPERADORAS DE PLANOS
DE SAUDE E DOS PRESTADORES DE SERVICOS – EXCESSO DE
CONFLITOS OPERACIONAIS E AUSÊNCIA DE FOCO
ESTRATÉGICO
É discutível se as mudanças que se sucederam foram estrategicamente
provocadas ou estavam previstas.Tudo indica que aquelas que tinham as Operadoras
como destino, sim. Estas estavam enquadradas no alinhamento estratégico da ANS,
porque esse foi o foco eleito. Mas, todas as evidências apontam na direção de que as
repercussões em cascata, daí decorrentes, estavam fora da cartilha. A reação deste
segundo movimento produziu seus impactos de forma mais lenta, mas progressiva,
uma vez que, sendo conseqüência do primeiro dependia de sua velocidade e da
capacidade de absorção dos seus efeitos pelo mercado.O efeito dominó naturalmente
ocorreu.
O cenário contemporâneo rompeu com a tranqüilidade da prescrição livre, da
ausência de controles sobre a gestão dos recursos, do sistema de prestação de
serviços comandado pela oferta, das facilidades nas negociações de reajustes e de
outras cláusulas contratuais. Houve uma ruptura no repasse sistemático de custos e
da ineficiência dos processos dos Prestadores para as Operadoras e destas para os
usuários e, conseqüentemente, ocorreu uma redução das margens.
As Operadoras de Planos de Saúde mergulharam no mundo dos
prestadores de serviços, certas de que ali havia oportunidades de negociação que
poderiam ser transformadas em redução de custos. Fariam o contra-ponto, a
compensação parcial ou necessária dos efeitos da regulamentação. Nesse movimento,
novamente cabe questionar a ausência do interesse pela qualidade da assistência
prestada aos clientes, que, se antes já não era o centro das preocupações, agora ficou
ainda mais distante. Permito-me aqui fazer um depoimento pessoal, baseado em
quase 30 anos de atividade na área da saúde e, em especial, na administração de
hospitais “Até o ano de 2003, não havia presenciado qualquer decisão de preços que
estivesse baseada em uma avaliação de indicadores de qualidade assistencial e de
custos finais, medidos na comparação com o desempenho da rede de serviços. Essa
observação é válida tanto para cooperativas, medicinas de grupo, seguradoras e auto-
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gestão. Recentemente, no mês de maio de 2003, fechamos três negociações baseadas
em qualidade médico-assistencial comprovada através de metodologia científica e de
desempenho de custo final“. Talvez seja o caso de, mais uma vez, repetirmos o ditado
“a dor ensina a gemer”.
Mas, salvo raríssimas situações, em geral os argumentos da qualidade são
conceituais, alinhando princípios institucionais no discurso da negociação e servindo
de retórica. No final tudo, é decidido com base na tabela de preços padrão utilizada
pela Operadora, preferencialmente escolhida entre duas, uma mais antiga, de 1990 –
com treze anos de defasagem - e outra, mais moderna, de 1992 – com onze anos de
defasagem.
Este novo relacionamento, no entanto, não nascerá pronto. Será necessário
construí-lo na cumplicidade dos objetivos, na capacidade de perceber as
oportunidades em um mercado com indicativos consistentes de transformações
radicais. Progressivamente, algumas parcerias e negociações irão mostrar-se mais
frutíferas e abrirão caminhos para outras, reproduzindo e aprimorando os métodos e
os avanços indispensáveis.
Este estudo técnico, além de contribuir para as discussões temáticas do Fórum
3
de Saúde Suplementar, promovido pelo Ministério da Saúde e pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar-ANS, tem a finalidade de contextualizar as lógicas
que alimentam e sustentam a relação entre Operadoras de Planos de Saúde e
Prestadores de Serviços e, a partir da compreensão, apontar e analisar caminhos que
possam ser valorizados na construção de um novo e estratégico relacionamento.
Numa perspectiva ampliada, espera-se que esse estudo possa estar
contribuindo para que os usuários tenham fortalecidas as suas garantias de acesso e
de qualidade dos serviços de saúde, como conseqüência de uma maior consistência
nas relações entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços.
UM BREVE RELATO DAS RELAÇÕES ENTRE OS AGENTES
DO SISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR
As Operadoras De Planos De Saúde, é preciso considerar e registrar, a
partir de uma visão empreendedora e extremamente arrojada, ao longo do seu
processo de evolução prestaram e prestam um grande serviço a população brasileira,
permitindo o seu acesso aos serviços de saúde. Em especial porque ocuparam uma
fatia enorme do espaço deixado pela ineficiência, pela ausência efetiva de
determinação política e pela incapacidade de financiamento do setor público.
Nos anos 80, havia cerca de 15 milhões de clientes dos planos de saúde,
excetuando-se os de planos próprios, registrados pela Associação Brasileira de
Medicina de Grupo – Abramge e pela Federação das Unimed’s. Esses números
revelavam a consolidação das empresas de planos de saúde como alternativas
assistenciais para os trabalhadores especializados da região sudeste.
Ao mesmo tempo, houve a intensificação da comercialização de planos
individuais, a entrada decisiva de grandes seguradoras no ramo da saúde, a adesão
de novos grupos de trabalhadores à assistência médica supletiva – em particular,
funcionários públicos da administração direta, das autarquias e das fundações – e a
vinculação inequívoca da assistência privada ao financiamento da assistência médica
suplementar.
Entretanto, as Operadoras de Planos de Saúde criaram um mercado peculiar,
de regras multifacetadas, definindo prazos de carência, restrições ao atendimento,
contratos altamente vantajosos, níveis de preços, unilateralidade na suspensão de
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contratos, e outras formas de contenção da utilização dos serviços.
Muitas, atendendo apenas a uma oportunidade de mercado, sem estrutura,
sem lastro econômico para sustentar suas operações, lançaram-se em uma aventura
de buscar lucros de forma fácil, sempre coadjuvadas por uma rede de prestadores de
serviços ávidos por clientes de um sistema de financiamento diferenciado daquele
praticado pelo setor público.
A atuação das Operadoras de Planos de Saúde sempre esteve exageradamente
vinculada a supremacia dos interesses econômicos e arriscadamente afastada das
políticas de saúde e da mensuração da qualidade da assistência prestada.
Os Clientes, nesse contexto, representavam o elo mais vulnerável, com
reduzido controle sobre os seus maiores interesses: o acesso aos serviços de saúde e
à qualidade da assistência prestada. Não possuindo instrumentos para coibir eventuais
abusos cometidos pelas Operadoras de Planos de Saúde, que, sem regulamentação,
detinham a liberdade para tomar as decisões que entendessem necessárias. Na cadeia
dessa relação, as imperfeições do sistema relegaram os aspectos de acesso aos
serviços e à qualidade assistencial a um plano secundário.
O Poder Público, de sua parte, contemplou da margem oposta a evolução da
saúde suplementar no Brasil. Para J.C. STRICK (1990:3), a “regulação consiste na
imposição de regras e controles pelo Estado com o propósito de dirigir, restringir ou
alterar o comportamento econômico das pessoas e das empresas, que são apoiadas
por sanções em caso de desrespeito”. O Estado Brasileiro nas atividades iniciais da
saúde suplementar esteve afastado do seu papel regulador. Esteve exclusivamente
envolvido na evolução da reforma do Sistema Público de Saúde, onde muitas vezes
tergiversou, e foi intransigente, quanto às questões ideológicas. Insistiu na construção
de um sistema de saúde exageradamente perfeito nos seus princípios e
permissivamente tímido e passivo quanto as suas capacidades de financiamento,
acesso à população e de gestão de recursos, perdendo o foco nas estratégias de
efetiva implantação do Sistema Único de Saúde – SUS.
De qualquer sorte, na década de 80, foi intensa a movimentação em torno da
reforma do sistema público de saúde, caracterizando-se como uma grande prioridade
político-social, com enorme envolvimento da sociedade brasileira e de seus diferentes
órgãos representativos.
Ainda que secundário, entre tantas razões para que se compreenda a não
5
priorização do setor de saúde privada, é provável que o poder público tenha
considerado que a fatia da sociedade brasileira com cobertura assistencial através de
planos de saúde privados fosse composta de pessoas abastadas, e que poderiam
dispensar a proteção do Estado. Entretanto, há que se considerar a interpretação de
que quanto maior fossem os recursos desse setor, financiados fundamentalmente
pelas empresas e também diretamente pela própria sociedade, mais recursos
sobrariam para a população carente e desassistida pelo setor público. Ou então, que a
supremacia das questões econômicas na área da saúde tenha, mais uma vez,
prevalecido e reservado a interpretação de quanto maior o crescimento do setor de
saúde suplementar menor a necessidade de recursos públicos para o segmento de
saúde do Brasil.
Outro grande prejuízo, pelo alijamento do setor de saúde suplementar das
políticas públicas do setor, é que os processos, as informações, a análise econômica e,
em especial, os resultados da qualidade da assistência prestada, foram de completo
desconhecimento do Ministério da Saúde. Dessa forma, uma grande parcela da base
de dados e das informações do setor de saúde no Brasil, ainda hoje, contemplam
apenas os números e as correspondentes análises dos serviços realizados pelo setor
público, desconsiderando a situação e os resultados das ações de saúde que são
prestadas a aproximadamente um quarto da população brasileira.
Os Prestadores De Serviços, inclusive os Médicos, por sua vez, atendidos
nos seus interesses mais imediatos, notadamente pela progressiva escassez dos
pacientes privados e pela crescente deterioração do relacionamento com a área
pública (defasagem acentuada e crescente de preços, glosas, atrasos nos
pagamentos, tetos físicos e financeiros incompatíveis com o volume dos serviços
prestados, entre outros), não relutaram em compor uma associação forte e firme com
as operadoras de planos de saúde. Já em 1995 os médicos registravam uma enorme
dependência das Operadoras de Planos de Saúde. Foi o que revelou a pesquisa
desenvolvida pela Escola Nacional de Saúde Pública (Machado,1995) apontando que
75 % a 90 % dos médicos declararam depender diretamente dos convênios para
manter suas atividades em consultório.
É importante observar que nos contratos entre Operadoras de Planos de Saúde
e Prestadores de Serviços os aspectos de qualidade assistencial não são o foco
principal da relação. Não correspondem as preocupações primeiras para a
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manutenção das relações comerciais. O maior determinante sempre foi a capacidade
de vendas que o credenciamento de um prestador de serviços possa gerar para a
operadora de planos de saúde e, especialmente, a sua tabela de preços.
Tudo transcorrendo dentro de uma equação bastante satisfatória. O setor
público continuamente expondo suas iniqüidades que, açodadas pelas constantes
críticas e inequívocos exemplos de ineficiência, serviram como um grande atrativo
para os planos de saúde privados ampliarem a sua atuação no mercado. Atuação essa
feita sem regulamentação. Encontrando os prestadores de serviços extremamente
interessados em pacientes de planos de saúde privados como alternativa para as suas
dificuldades junto ao sistema público de saúde. Some-se a esse cenário, o forte
auxílio de uma espiral inflacionária que encobria as ineficiências, e permitia, na
ciranda financeira, ganhos acima das margens de lucratividade e rentabilidade do
negócio.
Foi com essa configuração de mercado e com uma rede de relacionamentos
onde estavam preservados os interesses dos diversos agentes, que o setor da saúde
suplementar cresceu no Brasil.
Segundo Duarte e Di Giovanni (2001), “o sistema de atenção médica
suplementar cresceu a passos largos durante a década de 80, de tal modo que, em
1989, cobria 22% da população total do país. Somente no período 1987/89
incorporaram-se a esse subsistema 7.200.000 beneficiários”.
Atualmente, o número de usuários registrados na ANS é de 33,3 milhões.
REGULAMENTAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR – ESSENCIAL
PARA O CRESCIMENTO DO SETOR
Em período anterior à Lei 9656/98, os consumidores passaram a ser mais
protegidos com a adoção do Código de Defesa do Consumidor e do sistema
consubstanciado nos Procon estaduais e municipais. O acolhimento de demandas
pelos Procon beneficiou os consumidores em seus conflitos com as Operadoras de
Planos de Saúde. Mesmo assim, a atuação desses organismos estatais mostrou-se
7
insuficiente para regular as relações entre consumidores e Operadoras.
As políticas regulatórias são políticas de soma positiva, o que cria a expectativa
de que todos os setores afetados sejam ganhadores pelo bem público gerado, mesmo
que as soluções não sejam unânimes, ou, de acordo com MAJONE (1996), seja a
segunda melhor alternativa, na impossibilidade da ampla maioria política.
Havia consenso em torno da necessidade de intervenção estatal, visando
corrigir e atenuar as falhas do mercado. Após a promulgação da Lei 9656, em 1998,
na gestão do Ministro Carlos César Albuquerque - a maioria dos trabalhos realizados a
respeito do tema não o tem citado – o setor de saúde suplementar ganhou a
sustentação legal para que iniciassem as ações de regulamentação.
As reformas do setor de saúde suplementar devem ser encaradas não apenas
como uma iniciativa do Governo - com no mínimo 30 anos de atraso - mas como uma
prioridade nacional premente. Não se trata apenas de o governo, seja o atual, o
passado ou o futuro, desejar fazê-la. É indispensável que o setor se conscientize da
sua necessidade. É indispensável que a sociedade brasileira a faça.
Por resignada conformidade à nossa realidade histórica ou pela acomodação
interesseira e conveniente, parece haver, muitas vezes, a aceitação tácita para a
continuidade do modelo vigente. Isso descaracteriza por completo a mudança que se
impõe como necessária para a continuidade sadia do setor saúde. Assim fosse, os
grandes questionamentos, consolidados nas garantias da qualidade dos serviços aos
usuários e na flexibilização e crescimento do setor, não estariam concluídos, nem
tampouco gerando esforços para que fossem garantidos.
Em uma consideração preliminar, qual deveria ser o papel do Estado, nas três
hipóteses de maior possibilidade? Como tutor pleno (como tem sido com o setor
público), onde legisla, planeja, executa, compra, financia e fiscaliza os serviços de
saúde? Como um observador pleno permitindo o exercício do livre mercado? Como
regulador e fiscalizador (como vem fazendo através da Agência Nacional de Saúde
Suplementar – ANS), atuando como co-partícipe do sistema?
Sobre a primeira hipótese, existem avaliações consistentes demonstrando os
resultados desastrosos da interferência exagerada do Estado. Pode-se salientar, entre
outros: grande interferência político-partidária, baixo índice de profissionalismo,
reduzida capacidade de gestão, intransponíveis amarras jurídicas que reduzem
enormemente a capacidade do Estado de fazer a gestão.
8
A segunda hipótese, recentemente deu mostras das dificuldades que compõem
a exploração livre de um mercado onde o produto é a saúde do ser humano. Pela
essencialidade do produto e pelo seu interesse social, a presença moderadora do
Estado é fundamental.
Não bastasse a análise das razões intrínsecas da terceira hipótese, a realidade
das duas primeiras já seria bastante para que nos dirigíssemos na sua direção.
Arbitrar, regulamentar e orientar os rumos do setor de saúde suplementar,
abstraindo-se a forma como a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar vem
conduzindo esse processo, suas estratégias e ações, seus erros e acertos, significa um
passo diferenciado para que a sociedade brasileira obtenha resultados de saúde mais
potentes na relação com os agentes do mercado.
A característica central da reforma regulatória é a delegação de expressivo
poder decisório a instituições independentes, as quais definem regras de condutas
para as empresas e cidadãos. As atividades regulatórias incluem leis, portarias,
regulamentos formais e informais. Essas novas instituições monitoram e autorizam o
funcionamento das atividades consideradas de relevância pública e têm o arbítrio para
estruturar preços e intervir na qualidade dos serviços (NUNES, 1999).
É, sem dúvida, o início de um novo caminho, que inclui o setor de saúde
suplementar dentro da agenda das grandes prioridades nacionais. É um novo capítulo
que começa a ser escrito na história da atenção à saúde dos brasileiros.
Entretanto, apesar da dita e afirmada unanimidade nacional quanto à
necessidade e aceitação da regulamentação do setor de saúde suplementar, na
prática, há uma forte resistência de parte das Operadoras de Planos de Saúde e
secundariamente dos prestadores de serviços, de se submeterem as novas regras.
Provas desse movimento estão nas contínuas ações jurídicas que são impetradas
contra a ANS, na negativa de registros e encaminhamentos de informações, no não
ressarcimento ao SUS.
Decorridos cinco anos da promulgação da Lei 9656/98, a existência de dois
terços de usuários de planos antigos, mostrado na Tabela 01, é uma comprovação
importante dessa resistência. Note-se que os usuários de planos antigos estão sem as
garantias integrais da legislação, principalmente no que diz respeito à assistência à
saúde.
9
Faixa etária Plano anterior à Lei 9.656 Plano Posterior à Lei Total
Número de
Beneficiários
% Número de
Beneficiários
% Número de
Beneficiários
%
00-17 anos 5.935.244 25,77 2.909.249 28,17 8.844.493 26.51
18-29 anos 4.776.378 20,74 2.519.377 24,40 7.295.755 21,87
30-39 anos 4.101.894 17,81 1.884.465 18,25 5.986.359 17,95
40-49 anos 3.409.404 14,80 1.447.614 14,02 4.857.018 14,56
50-59 anos 2.188.168 9,50 794.890 7,70 2.983.058 8,94
60-69 anos 1.372.349 5,96 408.635 3,96 1.780.984 5,34
70 e mais 1.247.584 5,42 362.812 3,51 1.610.396 4,83
Total 23.031.021 100 10.327.042 100 33.358.063 100
Fonte: ANS
Outras formas concretas de demonstração de tamanha contrariedade estão
representadas pelas 700 multas praticadas pela ANS no primeiro semestre do ano de
2002, das 655 autuações aplicadas até o mês de junho de 2003, cancelamento do
registro de 845 planos e intervenção em 71 Operadoras. Evidentemente que as
irregularidades referem-se ao uso de expedientes que eram aplicados antes do
processo de regulamentação. No período de agosto de 2000 a julho de 2002, a ANS
somou 82.856 ABIs (Avisos de Beneficiários Identificados que utilizaram o Sus), no
valor de R$ 110,9 milhões e recebeu apenas R$ 28,9 milhões. A dívida das
Operadoras chega a R$ 81,9 milhões de ressarcimento ao Sus. Há uma forte ação de
contenção da velocidade do processo de regulamentação.
É bastante provável que ainda exista no âmbito de uma parcela das Operadoras
de Planos de Saúde a falsa visão da continuidade de um mercado de largas margens e
sem regulamentação.
Ocorre que este mercado, sem regulamentação, se, de um lado oferece tantos
atrativos propícios para o sucesso econômico, de outro se caracteriza pelo conflito
direto com os principais clientes, tanto no plano individual como no plano empresarial,
uma vez que as relações estabelecidas são inseguras. A possibilidade de revisões
contratuais por sinistralidade, reajuste de preços, revisão dos expostos, redução
unilateral da carteira de riscos e outros fatores expunha de forma arriscada e perigosa
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